Guia para hackers é exclusivo para milhas roubadas a TAM e postos Ipiranga. (Foto: Mark Winterbourne/CC-BY)

CDC dá ‘direito de arrependimento’ para compra realizada fora do estabelecimento. (Foto: Mark Winterbourne/CC-BY)

Dentre as inovações trazidas com o advento da internet se encontra comércio eletrônico (e-commerce), termo dado para o comércio realizado através de meios eletrônicos (e-mail, websites etc.), setor este que, no Brasil, se espera faturar R$ 31,9 bilhões em 2014, denotando mais um período de crescimento.

Apesar do esforço legislativo para se adequar ao novo cenário tecnológico, o comércio eletrônico é objeto de uma série de propostas normativas[1. Entre outras, PL 1.232/2011, PLS 439/2011 e PLS 281/2012.] que, apesar de ser perfeitamente aplicável o Código de Defesa do Consumidor, obteve recente e tímida regulamentação no Decreto nº 7.962/2013.

Por outro lado aumentam também as reclamações contra lojas virtuais que, devido a ineficiência (ou falta de respeito) de parte do segmento, acabam parando no Judiciário. Dentre elas, está o problema enfrentado quando se deseja cancelar a compra realizada, onde analisaremos – longe de esgotar o assunto – o cancelamento de passagens aéreas solicitadas pelo consumidor.

Direito de arrependimento

Uma das características mais marcantes nos contratos eletrônicos é a forma não presencial com que é realizada, isto é, a compra não é realizada fisicamente na loja[2. E este será mais um dos problemas enfrentados, pois já se encontram modelos de negócio em que não há uma loja física, mas tão somente virtual.], o que implica consequências jurídicas.

Pelo artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor – CDC, o consumidor poderá desistir da compra realizada fora do estabelecimento comercial dentro do prazo de 7 dias (chamado de “prazo de reflexão”), prevendo o seu parágrafo único que devem ser devolvidos os valores pagos: é o chamado “direito de arrependimento”.

Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.

Alguns entendem que este prazo existe em razão do consumidor não conhecer fisicamente o produto ou serviço. Deste modo, poderia se mostrar insatisfeito com a chegada do produto e se arrepender da compra. Porém, seria difícil visualizar como este entendimento seria aplicado na compra de passagem aérea: como se arrepender estando em voo?[3. Aceitamos sugestões.].

Também deve ser afastada a ideia de que tais cancelamentos acarretariam em despesas para as empresas pois, como já tratamos aqui, são delas que correm o risco do negócio.

Outra alegação comum, trazida pelas companhias aéreas[4. Além de outras como “o artigo 49 não se aplica a empresas aéreas” ou “não aplicamos o Código de Defesa do Consumidor”], é que no momento da compra o consumidor já estaria ciente de todos os termos, ou melhor, de que a compra realizada pelo meio eletrônico em nada se difere daquela feita no estabelecimento físico. Mas como conciliar tal fato com o direito de arrependimento previsto no artigo 49? A experiência nos mostra que, no intuito de proteger o consumidor (parte vulnerável na relação de consumo), o direito de arrependimento mostra-se como uma resposta aos massivos instrumentos que induzem ao consumo, de modo que não se pode ignorar a previsão expressa deste direito e a inexistência de ressalvas.

Reafirmando o direito de arrependimento, o Decreto nº 7.962/2013 nos informa que o exercício do direito de arrependimento não trará nenhum ônus (gastos) para o consumidor. Este entendimento é reforçado no caput do artigo 5º, onde não se verifica a possibilidade das empresas estabelecerem condições para o exercício do direito de arrependimento, bem como no § 3º, onde se verifica que nenhuma parte do valor pago ficará retido.

Art. 5º O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor. (…)

§ 3º O exercício do direito de arrependimento será comunicado imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que:

I – a transação não seja lançada na fatura do consumidor; ou

II – seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado.

Situação diversa ocorre quando o cancelamento se dá após o prazo de reflexão, hipótese em que o consumidor deve seguir os termos do contrato, o que inclui a possibilidade de cobrança de multa pelo cancelamento. Aqui, inclusive, há outra discussão acerca do percentual que poderá será aplicado quando cobrada a multa: enquanto o artigo 740, § 3º do Código Civil estipula uma multa de 5%, a Portaria nº 676/CG-5, de 13/11/2000, permite que se desconte até 10% do valor reembolsável.

Entendimentos conflitantes

Segundo informações da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), valem as regras dispostas no Contrato de Transporte, pelo que orienta aos passageiros que leiam atentamente o contrato disponibilizado pela empresa na hora da compra da passagem. Já em relação ao art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, informou que possíveis medidas que visam mudanças no contrato de transporte estão em estudos técnicos. Uma delas seria a redução do prazo de arrependimento para 24 horas, lembrando que o prazo previsto no Código de Defesa do Consumidor é de 7 dias.

O entendimento é discutível, uma vez que um contrato não poderia se sobrepor à lei.

Por outro lado, os PROCONs do Distrito Federal e de Minas Gerais afirmaram à Linha Defensiva que o artigo 49 do CDC é aplicável no caso de compra de passagem aérea pela internet, podendo ser exercido sem qualquer ônus ao consumidor. Tal posicionamento é explicitado na Circular nº 01/2014 da Gerência de Atendimento do PROCON/DF que, dentre outros pontos, indica ser este o atual entendimento das Turmas Recursais dos Juizados Especiais do Distrito Federal.

Chegou-se a cogitar no Senado a ampliação do prazo de arrependimento para 14 dias, porém a proposta não foi acolhida. Atualmente o Código de Defesa do Consumidor foi objeto de uma série de propostas de atualização (PLS 281, 282 e 283 de 2012), destacando-se o tratamento sobre o comércio eletrônico e novas regras sobre o direito de arrependimento, o que poderá reacender a discussão sobre sua aplicação no caso de compras de passagens aéreas pela internet.

Tribunais reconhecem a possibilidade de arrependimento

Ainda que não haja um consenso nos tribunais sobre certos aspectos do direito ao arrependimento, como a possibilidade de restituição em dobro do valor pago pela multa[5. TJRS (12ª Câm. Cível), ApCiv nº 70049155534, Rel. Des. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout, j. 16/08/2012, TJRJ (27ª Câm. Cível), ApCiv nº 0006060-05.2009.8.19.0087, Rel. Des. Marcos Alcino A. Torres, j. 04/12/2013. Em sentido contrário: TJRJ (6ª Câm. Cível), ApCiv 0106039-67.2010.8.19.0001, Rel. Des. Teresa Castro Neves, j. 08/01/2010, TJRJ (15ª Câm. Cível), Apelação nº 0003804-16.2009.8.19.0079, Rel. Des. Celso Ferreira Filho, j. 17/08/2010] se verifica uma tendência ao reconhecimento do direito de arrependimento, a ser exercido dentro do prazo de reflexão, sem que sejam impostos quaisquer ônus ao consumidor.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), decisão neste sentido foi dada em caso análogo, onde se questionava se os valores de serviço postal para a devolução de produto poderia ser repassada:

De acordo com o caput do referido dispositivo legal, o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de sete dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. O parágrafo único do art. 49 do CDC, por sua vez, especifica que o consumidor, ao exercer o referido direito de arrependimento, terá de volta, imediatamente e monetariamente atualizados, todos os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão – período de sete dias contido no caput do art. 49 do CDC –, entendendo-se incluídos nestes valores todas as despesas decorrentes da utilização do serviço postal para a devolução do produto, quantia esta que não pode ser repassada ao consumidor. Aceitar o contrário significaria criar limitação ao direito de arrependimento legalmente não prevista, de modo a desestimular o comércio fora do estabelecimento, tão comum nos dias atuais. Deve-se considerar, ademais, o fato de que eventuais prejuízos enfrentados pelo fornecedor nesse tipo de contratação são inerentes à modalidade de venda agressiva fora do estabelecimento comercial (pela internet, por telefone ou a domicílio). REsp 1.340.604-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 15/8/2013.

Encontram-se também diversas decisões proferidas pelas Turmas Recursais dos Juizados do Distrito Federal:

DIREITO DO CONSUMIDOR. COMPRA DE PASSAGEM AÉREA PELA INTERNET. APLICAÇÃO DO ART. 49 DO CDC. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. PRAZO DE REFLEXÃO. MULTA INDEVIDA. RECURSO PROVIDO. 1. A faculdade de desistir das compras realizadas fora do estabelecimento do fornecedor, prevista no art. 49 do CDC, aplica-se aos contratos de transporte aéreo de passageiros, formalizados através da internet, no sítio eletrônico da companhia. Precedentes. 2. Indevida a cobrança de multa pelo exercício do direito de arrependimento no prazo de reflexão legalmente assegurado ao consumidor. 3. Recurso conhecido e provido. (Acórdão n.767704, 20130111143480ACJ, Relator: LUIS MARTIUS HOLANDA BEZERRA JUNIOR, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Julgamento: 04/02/2014, Publicado no DJE: 18/03/2014. Pág.: 390)

O entendimento ainda não é pacífico, mas se verifica a tendência de que seja favorável ao consumidor, principalmente em razão do Decreto nº 7.962/2013 ter tratado da hipótese de arrependimento da compra no comércio eletrônico e a busca pelo aumento do prazo de reflexão. Por outro lado, verificamos a tendência da ANAC preservar os interesses de empresas aéreas ao reduzir o prazo para 24 horas, o que justificaria em razão dos gastos que tais empresas poderiam sofrer, além do entendimento de que a venda realizada no comércio eletrônico em nada se difere daquela feita no próprio estabelecimento[6. Para mais informações sobre deveres e direitos, consultar também as Resoluções ANAC nº 138, de 9 de março de 2010, e nº 196, de 24 de agosto de 2011, a Portaria nº 676/GC-5 do Comando da Aeronáutica, de 13 de novembro de 2000, e a Deliberação Normativa nº 161/85 da EMBRATUR, de 9 de agosto de 1985].

Escrito por Diogo Baptista

10 comentários

  1. Eu sinceramente não entendi esse post, esperava alguma atualização no segmento de segurança da informação, quando aparece atualização no feed que assino, eu venho rápido, mas dessa vez foi um “alarme falso”.

    No entanto, entendo que é uma notícia para que nosso direito seja defendido.
    Eu trabalho na aviação há mais de 6 anos e nesse meio tempo, nunca vi de fato o código de defesa do consumidor se aplicar de fato no transporte aéreo.
    Primeiro, que segundo o CDC para uma remarcação de passagem, o custo deveria ser de apenas 10%, fato que não ocorre em nenhuma empresa aérea no Brasil, ocorre apenas nos transporte terrestres.

    Outra situação é a citada neste artigo, compra uma passagem na TAM e se arrepende dentro dos 7 dias pra você ver uma coisa… vai ter uma canseira tão grande que vai preferir largar de mão ou seguir pra justiça. Eles informam que a desistência tem que ser dentro de 24 horas.

    Já GOL e AZUL seguem o mencionado prazo de arrependimento à risca.

    Percebam que não há um padrão, o CDC não é seguido à risca e de fato a aviação segue diversas legislações internacionais, o problema é: quais são as legislações mais poderosas? As internacionais ou as nacionais?

    Um abraço!

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    1. Dora de Araujo 26/08/2014 às 13:00

      Eu vejo que o Ministério Público de defesa do consumidor já deveria ter atuado nesses casos, impetrando uma ação civil pública contra a ANAC, parece que a Agência é representante das empresas de transporte aéreo e não do governo de onde saem os salários dos seus empregador.

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    2. Max Santiago 05/02/2015 às 11:16

      Nossa, já vi que você não entende nada de direito. Uma legislação internacional não apita nada aqui dentro. As empresas podem tentar dificultar, fazer o que quiserem, mas basta um cliente decidido ao cancelamento sem custos no prazo do CDC que vai ocorrer. O problema é que muita gente (como você) reclama sem ao menos tentar. E mais, desculpa com valor de advogado (e olha que sou um) não é desculpa, pois os juizados especiais estão aí pra resolver esse tipo de coisa (além do Procon ou até mesmo Ministério Público). Por causa de pessoas como você, ou seja, inanimadas, que as empresas usam e abusam. Sempre vai ter um trouxa pra pagar o que elas exigem, mesmo sendo ilegal.
      Um abraço.
      Lembrando que caso você pague indevidamente, poderá receber em DOBRO.

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      1. Aproveitando para atualizar o primeiro comentário, atualmente AZUL e GOL estão fazendo como a TAM e não aceitam mais o cancelamento dentro dos 7 dias da compra.

        @disqus_oSZ5wiWxfk:disqus
        Não entendo mesmo de Direito, to fora, minha área é outra, mas já que você trabalha com isso, deve estar acostumado ao tempo que leva.

        Eu prefiro curtir minha vida, nem que seja perdendo um pouco de R$, do que ficar aguardando julgamentos e etc, já participei de alguns como preposto e achei muita perda de tempo (se envolver pouco R$ é claro).
        Quando faço minhas compras procuro estudar o que está no contrato, não fico lendo CDC, se o contrato estiver ok, pra mim deu, fora isso procuro comprar em sites e lojas confiáveis, mas cada um com suas ideias e origens.

        Até o presente momento, passo longe de advogados, se algum dia precisar, com certeza terei prazer em acionar um e pagar seus honorários, mas como falei, prefiro seguir como fiz até hoje, afinal o problema é meu :D

        Se até hoje as empresas não mudaram seus contratos de transporte aéreo, a justiça nunca fez nada a respeito para que isso fosse mudado para o coletivo, creio que não seremos nós que conseguiremos essa mudança…

        Claro que temos que tentar, mas é uma discussão difícil.
        Outro exemplo tive esses dias, o cara brigando pelos termos: “Voos diretos (que podem ter escalas)” – Exemplo: Um voo que sai de Brasília com escala em Guarulhos e destino final Recife, é considerado um voo direto se o cliente pegar o voo em Brasília e descer em Recife.
        “Voos Non-Stop” esses são diretos mesmo, do ponto A ao B, sem paradas.
        Em resumo, só pude dizer a ele, boa sorte, se ele quer mudar os termos usados pelas companhias e que está registrado nas leis, quem sou eu pra ir contra… Agora, no fundo, sei que, não será nada fácil.

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      2. Max Santiago 06/02/2015 às 13:30

        Agora sim você explicou o motivo de não querer reclamar, motivo seu e pessoal que deve ser respeitado, sem generalizar. Abraços

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  2. o codigo civil brasileiro, art 760, determina 5% do valor do trecho cancelado. eh lei. entrem na justica.

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  3. Como fica no caso do passageiro comprar uma passagem e hospedagem de hotel internacional em uma agencia de turismo fisica onde essa compra é feita por telefone e e-mail, já que o passageiro está distante ou não tem tempo de vir ao seu escritório.Como fica a lei do arrependimento,uma vez que agencia pagou os fornecedores internacionais, já repassou o pagamento? Lá fora a regra é outra, não vão devolver o dinheiro á agencia. Por sua vez é justo que a agencia arque com tudo mesmo o passageiro sabendo das regras, tenha assinado contrato antes do pagamento? Não é uma venda por meio digital, o e-mail e telefone são usados para contato.Que segurança teremos em vender e exercer uma venda?

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    1. Angelica Camille 22/06/2016 às 01:43

      No caso o artigo 49 nao e valido, ja que a copra foi feita numa agencia fisica. mesmo que o serviço nao seja feito por essa agencia

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  4. Mairon Horn 12/05/2015 às 11:43

    Não é verdade, as empresas aéreas retém 50% do valor pago em caso de desistência!

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  5. Tobby Costa 08/12/2015 às 08:09

    Eu trabalho em um órgão de defesa do consumidor e nenhuma empresa aérea acata o art. 49 do CDC. Todas alegam que uma legislação FEDERAL ou mesmo o Código Civil, não valem para as companhias aéreas. A ANAC defende as companhias aéreas e não os consumidores. Esse país se chama BRASIL. Mesmo quando o consumidor tenta cancelar a passagem meses antes da viagem, as multas muitas vezes são iguais ou até mesmo superiores ao valores pagos. UM ABSURDO

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