Em São Paulo, durante 24 horas, nesse último final de semana, ocorreu a segunda edição da Cryptorave. O evento trata da liberdade na rede, da privacidade e da segurança da informação de uma maneira diferente que nos fóruns tradicionais. Ano passado as circunstâncias de uma vida que deixei para trás me impediram de provar do gosto daquela atmosfera, relegando a mim o Twitter como uma pequena janela, uma escotilha do que acontecia ali.
Dessa vez pude participar de maneira mais ativa e compartilho aqui o meu testemunho.
CCSP
Público, aberto e livre. As sutis diferenças de significado entre essas três palavras estavam todas juntas e misturadas na Cryptorave. O evento, organizado por três coletivos ativistas (Actantes, Escola de Ativismo e Saravá) ocupou um amplo setor do Centro Cultural São Paulo (CCSP). Um espaço público muito bonito, o qual conta com uma biblioteca em que todos de minha geração usaram pelo menos uma vez na vida para fazer algum trabalho escolar, além de ótimas exposições de arte e espetáculos. É um dos poucos lugares nos quais as pessoas se encontram seriamente para discutir ideias. No momento em que muita gente se agarra em respostas prontas, o CCSP é um ambiente onde são cultivadas boas perguntas. A Cryptorave precisava mesmo ser ali.
O evento foi financiado pela comunidade, através de contribuições via Crowdfunding possibilitando uma estrutura sem frescura que funcionou bem durante todo o percurso.
Abrindo os trabalhos
Casa lotada para a primeira mesa em que participaram Katitza Rodriguez, diretora da Eletronic Frontier Foundation, e o jornalista Andre Meister do portal Netzpolitik. Ambos muito enfáticos com relação ao fato de que o tempo de ficar chocado com as políticas de vigilância dos governos já passou. É hora de aplicar criptografia em tudo e de lutar. O que pode ocorrer de diversas formas de acordo com a criatividade de cada um.
Depois o evento seguiu, se dividindo em seis espaços nos quais diversas outras técnicas para a proteção de comunicação foram apresentadas para o público com os mais variados backgrounds técnicos. Incluir e compartilhar eram as máximas. Sem a formação de “panelinhas”, sem o objetivo de “escantear” os que sabem menos. Deixando claro para qualquer um que os tempos em que bom é aquele que é “l33t” ficaram para trás. O que era restrito, assume a missão de ser imperativamente aberto.
Malwares modernos, drones, segurança na nuvem, os mais variados sabores da criptografia e até palestras livres, elaboradas ali na hora mesmo em um espaço de “desconferência” deram o tom. E o melhor, salas lotadas em qualquer canto.
Caras amassadas e Pirate Bay
Manhã de sábado, muita gente mal dormida que passou a noite na balada do evento e acabou se esparramando por ali mesmo tomava conta de todas as cadeiras disponíveis para a palestra de Peter Sunde, um dos fundadores do amado e odiado The Pirate Bay. Emoções extremas como estas fizeram parte da história da formação da plataforma de downloads mais conhecida do mundo, que enfrentou muitas batalhas judiciais em seu percurso. Uma boa fonte para conhecer essa história pode sem encontrada nesse documentário.
Peter Sunde, usando a própria evolução da tecnologia demonstrou que o compartilhamento de informações é um caminho sem volta e que a cultura de P2P tende a cada vez mais dominar a agenda das pessoas. Um mês de invenções tecnológicas de nossos tempos equivale a algo em torno de 10 mil anos na antiguidade.
Os encontros sobre tecnologia e segurança em que participei durante toda a minha carreira estavam sempre contaminados por corporações, como se estas fossem sempre as portadoras da “boa nova”
O ato de coibir o acesso ao conhecimento para gerar lucro é equivalente à queima de livros imposta por diversos regimes autoritários, sejam eles políticos ou religiosos, os quais por incrível que pareça ainda assolam a humanidade.
O evento seguiu com várias outras atividades como workshops do tipo “mão na massa” e mesas de discussão como a que focou no cyberativismo feminista, aliás houve um espaço totalmente dedicado às mulheres, o qual homenageou Ada Lovelace, a matemática que criou o primeiro algoritmo interpretado por uma máquina.
Eu também tive a oportunidade de dar uma contribuição em uma sala cheia, falando dos problemas da aplicação de padrões de segurança pela indústria de cartões. A essência do que falei pode ser encontrada aqui.
Na mesa final os organizadores abriram o espaço para que qualquer um pudesse fazer uma avaliação direta, cara a cara sobre o que achou do evento. Repetirei aqui o que disse na abertura da minha palestra: os encontros sobre tecnologia e segurança em que participei durante toda a minha carreira estavam sempre contaminados por corporações, como se estas fossem sempre as portadoras da “boa nova”. Hoje vivemos tempos diferentes em que a “boa nova” da Cryptorave do próximo ano poderá ter surgido diante dos meus olhos, no último fim de semana, ali no CCSP.
Assim me senti feliz por que tinha plena consciência de que estava falando com o público certo.
Acompanhe os vídeos do evento que estão surgindo aos poucos neste canal.