
Spam é livre no Brasil (Foto: Steven Goodwin / SXC)
A divulgação de produtos e serviços é uma necessidade tanto para os fornecedores[1. Indica o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, que: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.] (que precisam divulgar os seus produtos para que sejam adquiridos) quanto para os consumidores (na qual terão uma possibilidade maior de escolhas entre um mesmo produto).
A lógica comercial é bem simples: Quanto mais pessoas conhecem o produto, maior a possibilidade da quantidade de vendas. Assim nos deparamos com a publicidade e a necessidade de massificação – realidade da nossa atual sociedade de consumo.
O envio em massa de mensagens eletrônicas não solicitadas podem acarretar problemas diversos. Tecnicamente, o envio em massa de spam gera um maior tráfego de dados, sobrecarregando a rede e gerando custos para os provedores (o que certamente será suportado pelos usuários). Pelo ponto de vista do usuário, gera diversos incômodos ao se deparar com diversas mensagens publicitárias, na maioria das vezes não solicitadas, que não cessam em chegar, denominando tais tipos de mensagens como “lixo eletrônico”.
Não somente através de e-mail é que chegam tais mensagens não solicitadas, o que não é difícil que alguém não tenha se deparado em outros meios, como através do celular ou de chats instantâneos. A técnica do spam se diversificou para outros meios, como é o caso do SPIM (Spam Over Instant Messaging) e o SMS Spam.
Legislação brasileira não impede o Spamming
No Brasil não existe nenhuma regra específica coibindo a prática do spam. Apesar de que alguns projetos de lei tentem regulamentar a prática, o que temos são brilhantes autores sobre o tema e poucos casos julgados pelas instâncias superiores do nosso país. O que aparenta é que no Brasil a prática do spam é liberada, não tendo como o usuário escapar a não ser tentando gentilmente a sua exclusão do banco de dados que não sejam mais enviadas tais mensagens.
Apesar de não ter previsão, podemos tirar algumas conclusões a respeito do spam. Inicialmente podemos partir do pressuposto é que se algo é considerado ruim, pejorativamente chamado de “lixo”, deve ser combatido.
O direito de divulgar do fornecedor esbarra ao verificarmos que o excesso na utilização de um direito constitui o abuso de direito, ferindo os valores éticos e sociais:
Código Civil, Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Os autores pátrios se inclinam para a abusividade do spam. Sobre o título “Publicidade abusiva por Correio Eletrônico[2. GRINOVER, Ada Pellegrini et alii. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária.]”, o jurista Antônio Herman Benjamin indica que o spam viola a garantia constitucional de privacidade e intimidade, causando danos de ordem moral e patrimonial ao consumido[3. Entendendo que consumidor não é só quem adquire ou utiliza um produto, mas todos aqueles que estão expostos às práticas comerciais.], entre outros prejuízos, sintetizando ainda que:
O spam faz letra morta da “liberdade de escolha”, que é direito básico do consumidor, liberdade de escolha esta que, entre outros aspectos, inclui a opção por não ser incomodado ou por ver preservados seus meios de comunicação pessoal contra mensagens indesejáveis. (p.356)
Tal visão não corresponde com diversos casos analisados pelo Poder Judiciário. Em um dos únicos precedentes, o Superior Tribunal de Justiça entendeu sobre a não caracterização de dano moral[4. INTERNET – ENVIO DE MENSAGENS ELETRÔNICAS – SPAM – POSSIBILIDADE DE RECUSA POR SIMPLES DELETAÇÃO – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. 2 – Não obstante o inegável incômodo, o envio de mensagens eletrônicas em massa – SPAM – por si só não consubstancia fundamento para justificar a ação de dano moral, notadamente em face da evolução tecnológica que permite o bloqueio, a deletação ou simplesmente a recusada de tais mensagens. (REsp 844736/DF. Relator Ministro Luis Felipe Salomão)] no recebimento de spam, porém apenas um “mero aborrecimento”. Vencido o voto do relator, Ministro Luis Felipe Salomão, em brilhante passagem, discorre que:
Ademais, verifica-se que a continuidade de remessa do “spam”, mesmo após o pedido para que fosse realizada a exclusão do autor da lista de correspondência eletrônica, configura comportamento violador do princípio da boa-fé, da conduta leal entre as partes, pois, embora tenha confirmado que cessaria o envio das mensagens indesejadas, continuou a fazê-lo.
Ainda não há uma uniformização na jurisprudência sobre a prática, ainda encontrando decisões favoráveis à caracterização de danos morais em 1ª instância. Desta forma, tomando como parâmetro a decisão do Superior Tribunal de Justiça, não estamos carentes apenas de legislação tratando do assunto, mas as decisões judiciais não são favoráveis quando se busca coibir tais práticas.
No Brasil, ao menos 8 projetos de lei foram elaborados[5. Temos como exemplos as PL 2186/03, PL 25423/03 e PLS 36/2004.], que já possui proposta para reforma, traz um enfoque especial sobre o comércio eletrônico. Quanto ao spam, a reforma traz sistema opt-out ao spam [7. Proposta de Reforma do Código de Defesa do Consumidor, Art. 45-E: É vedado enviar mensagem eletrônica não solicitada a destinatário que: III – tenha manifestado diretamente ao fornecedor a opção de não recebê-la.] para tratar do spamming, porém nenhuma ainda é realidade em nosso país. Há uma grande tendência em utilização do sistema opt-out, possibilitando com que o fornecedor possa realizar a sua devida publicidade e, só sendo interrompido se o usuário manifestar sua discordância no recebimento através de um meio específico disponibilizado pelo anunciante.
O Código de Defesa do Consumidor, apesar de alguns artigos que podem ser interpretados a favorecer o consumidor coibindo tal prática abusiva[6. CDC, Arts. 6º, II; 37, §2º; e 39, III.], modelo este adotado em diversos outros países na qual o consumidor, uma vez que receber mensagens não solicitadas, tem o direito[8. Um direito do consumidor contraposto a um dever de abstenção de quem envia as mensagens.] de solicitar sua exclusão da lista de e-mails, desde que haja relação anterior de consumo entre ambos.
Uma vez visto que o próprio STJ julgou sobre a descaracterização dos danos morais sobre spam que vinculava conteúdo pornográfico, os usuários da rede começam a se preocupar sobre suas legítimas expectativas em utilizar uma rede sem aborrecimentos constantes.