No início do mês, um erro no sistema da companhia aérea KLM fez com que os valores das passagens para a Europa ficassem por R$ 282,00, ida e volta, cerca de 10 vezes abaixo do valor normal. Segundo a empresa, os valores foram carregados acidentalmente no sistema, mas garantiu cumprirá as reservas feitas com estes valores.

Para tribunais, nem sempre a oferta vincula o fornecimento do produto (Foto: Robert Linder / Freeimages.com)
Não é a primeira vez que falhas no sistema reduzem drasticamente os preços de produtos e serviços, como já aconteceu com celulares da Claro vendidos por R$ 9,00, passagens internacionais da Gol por R$ 55,00 e das linhas aéreas TAM por R$ 116. Por outro lado, já foi encontrado livros de desenvolvimento para Web de R$ 15.000,00, quando o valor real era de R$ 150,00. [1. Neste caso, como não houve compradores, não virou notícia.]
Mas nas situações de preços não razoáveis, a empresa está obrigada ao que ofertou? Não há uma resposta única para a situação, pois deve ser analisado caso a caso. Se por um lado a oferta obriga o fornecedor, por outro deve ser levado em consideração os limites razoáveis e a boa-fé do consumidor.
É comum a utilização da expressão popular “ofereceu, tem que cumprir”. De fato, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) impõe esta regra:
Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
Além disso, o Código determina que a “oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores” (art. 31).
A afirmação, porém, não é uma verdade absoluta, e nem poderia ser. Se para as empresas a regra valeria, o que aconteceria se alguém quisesse vender um produto e, por engano, anunciar por um preço muito abaixo do que deveria?
Em regra, o Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicado em tais casos, por ser lei específica a tratar das relações de consumo, mas o Código Civil, de certa forma, o complementa. Ocorre que o Código Civil prevê que:
Art. 141. A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta.
Apesar da redação um pouco confusa, pode ser exemplificado da seguinte forma: se alguém pretende vender um computador por R$ 800,00, mas a sua vontade for transmitida de forma incorreta com o valor de R$ 8,00 (pelo jornal ter anunciado errado ou por alguma falha no sistema de um site de vendas), a declaração será anulável.
Isto porque um negócio só é válido se a manifestação da vontade for livre e consciente, isto é, quando o sujeito não estiver agindo sobre erro. [2. O Código Civil expressamente indica que os negócios jurídicos sobre erro, dolo e coação são anuláveis no art. 178, justamente por atingir a manifestação da vontade, elemento essencial para a formação dos contratos.]
Confirmando a norma em questão, o Código Civil ainda prevê que:
Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.
Tratam-se de regras aplicáveis nas relações de consumo, que também é orientado pelo princípio da boa-fé, ou seja, a empresa e o consumidor devem agir com honestidade e lealdade.
Confirmando que não se deve ter regras absolutas, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro recentemente teria afastado a vinculação à oferta:
APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZATÓRIA. ANUNCIO DE GRUPO ESTOFADO POR VALOR ÍNFIMO. ERRO GROSSEIRO QUE SE MOSTRA FLAGRANTE. DEVER DE BOA FÉ QUE SE IMPÕE AO FORNECEDOR E AO CONSUMIDOR. 1. Pretende o autor seja a empresa ré compelida a cumprir oferta veiculada em jornal bem como condenada a indenização por dano moral sustentando ter sido anunciado em jornal de grande circulação um conjunto estofado pelo valor de “R$000,99”. 2. Desafia a lógica e ao bom senso acreditar que um consumidor visse um anúncio de uma loja de móveis e acreditasse que um grupo estofado pudesse ser vendido por tal valor, ademais ao lado de outros produtos no mesmo anúncio com valores de mercado. 3. Evidente que o valor lançado para tal produto se mostra vil e somente poderia ter advindo de erro material grosseiro na preparação do anúncio – como aliás se vê no próprio formato do numeral ali lançado – tanto que a empresa assim que pode veiculou errata no jornal e no seu site na Internet. 4. A norma consumerista não tem por objetivo vilanizar o fornecedor tampouco criar uma “ditadura do consumidor” pois o dever de boa fé é exigido tanto do fornecedor como do consumidor. 5. Não há, portanto, que se impor à empresa o cumprimento da oferta por preço vil tampouco se vislumbrando a ocorrência de dano moral indenizável na hipótese. 6. Recurso a que se nega seguimento nos termos do art. 557 caput do C.P.C. (TJRJ (27ª Câm. Cível), Ap. Cív. 0085836-19.2013.8.19.0021, Rel. Marcos Alcino A. Torres, j. 29/07/2014) [3. Na decisão ainda foram citados os seguintes precedentes da 26ª Câmara Cível do Consumidor: Apelações nos 0060224-81.2009.8.19.0001 e 0045600-52.2008.8.19.0004.]
Também neste sentido, confira-se:
OBRIGAÇÃO DE ENTREGA DE MERCADORIA. VENDA FEITA PELA INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. DIVULGAÇÃO DE PREÇO ABAIXO DO REAL VALOR. APLICÁVEL À ESPÉCIE OS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ, EQUILÍBRIO E A VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. AFASTADA A OBRIGATORIEDADE DA OFERTA CONSTANTE DO ART. 30 E 35, INCISO I, DO CDC. RECURSO PROVIDO. (3ª Turma Recursal de Porto Alegre, Rec. Inom. 71001132802, Rel. Ketlin Carla Pasa Casagrande, j. 24/04/2007)
Como visto, em regra a oferta vincula o fornecimento do produto ou do serviço, mas não se pode ter como uma regra absoluta. Deve ser analisado cada caso para verificar se os valores anunciados sejam totalmente desproporcionalmente dos valores padrões de mercado. A compra realizada pelo consumidor poderá ser anulada, caso em que tanto a empresa não estará obrigada a fornecer o produto, nem o consumidor deverá pagar pelo que se comprometeu. Para a maioria, vale o risco de tentar.